Call for Papers 2021-07-22
Prazo de submissão: 26 de novembro de 2021
Editores: Ana Ribeiro (CEHUM), Carlos Sousa (CEHUM), Isabel Cristina Mateus (CEHUM), Micaela Ramón (CEHUM), Sérgio Sousa (CEHUM).
Editora convidada: Rita Patrício (CEC-ULisboa).
Datam da Antiguidade Clássica os mais antigos exemplares que se conhecem da carta. A sobrevivência deste género até aos nossos dias é bem reveladora da sua importância, o que não é de estranhar, já que, antes da vulgarização do telefone e, mais recentemente, do correio eletrónico, ela satisfazia a necessidade de comunicar vencendo distâncias. O arquivamento de missivas, a constituição de epistolários, a elaboração de tratados de epistolografia e a publicação quer de antologias, quer de volumes de cartas de epistológrafos de renome não deixam dúvidas quanto à relevância de que este tipo de escrita se reveste.
O percurso desde a Antiguidade Clássica até aos nossos dias deste género vulgarmente menorizado revela a sua versatilidade. Como diz Andrée Rocha na introdução do seu trabalho seminal intitulado A Epistolografia em Portugal (1965), “É particularmente espinhosa a questão dos limites da carta, pois, praticamente, ela é ilimitada”. A proliferação de subgéneros e a diversidade de assuntos que a carta pode acolher ilustram a sua natureza proteica. De tom mais ou menos formal, ela pode ser a embaixadora de negócios, pedidos ou convites, a confidente de desabafos, memórias, declarações amorosas e opiniões sobre pessoas e factos, ou simplesmente o suporte de relatos do quotidiano. Registe-se ainda a sua migração para a imprensa, com as “cartas ao diretor”, e para a literatura, onde, entre outras possibilidades, deu origem a um género romanesco específico, o romance epistolar.
O caráter polifacetado da carta faz dela um objeto de estudo particularmente estimulante, porque transversal a várias áreas. Justifica-se por isso a escolha da correspondência como tema deste número da Diacrítica. Nele se pretende reunir um conjunto de trabalhos originais ilustrativos de diferentes tipos de abordagem que permitam ilustrar a riqueza e as potencialidades de um domínio tão amplo e diversificado a que vem sendo dedicada crescente atenção. Sem excluir outras possibilidades, a presente chamada para artigos dirige-se particularmente a contributos provenientes dos estudos linguísticos, dos estudos literários e dos estudos culturais. No primeiro caso, enquanto produto linguístico, a carta permite tratar questões relacionadas com a heterogeneidade composicional, a organização textual, as estratégias linguísticas da (des)cortesia ou da (in)delicadeza, da representação do “eu” e do destinatário, da implicação deste no texto, entre outras. No domínio dos estudos literários, tanto as cartas de escritores, com ou sem recorte literário, como o aproveitamento literário do modelo textual da carta ou o emprego da carta como elemento narrativo, apresentam fecundas vias de abordagem, que vão desde o lugar da correspondência na obra de um escritor, às relações entre a epistolografia e os géneros autobiográficos, à construção da imagem do “eu” como escritor, às relações entre as cartas de um escritor e a sua restante obra, por exemplo. A emergência e as metamorfoses da carta são, desde logo, assunto do foro dos estudos culturais. Para além destes assuntos mais vastos, a carta poderá também fornecer pistas sobre a construção social da intimidade, sobre questões de sociabilidade, de género, de relacionamento entre géneros, ou, atendendo à sua particular relação com a viagem, sobre questões de auto e hetero-representação. A conjugação de diversos olhares concorrerá para encarar de outro modo esta forma de memória que, utilizando ou não recursos artísticos, não se limita a ser o território da expressão de um “eu”.
Aceitam-se contribuições em português, inglês, francês e espanhol.